terça-feira, 27 de abril de 2010

Para não chorar depois... 2010: Cristais quebrados.



Para não chorar depois....

2010: Cristais quebrados

Carlos Vereza


Não é necessário ser profeta para revelar antecipadamente o que será o ano eleitoral de 2010. Ou existe alguém com tamanha ingenuidade para acreditar que o fascismo galopante que aparelhou o estado brasileiro, vá, pacificamente, entregar a um outro presidente, que não seja do esquema lulista, os cargos, as benesses, os fundos de pensão, o nepotismo, enfim, a mais deslavada corrupção jamais vista no Brasil?


Lula, já declarou, que (sic) 2010 vai pegar fogo!. Entenda-se por mais esta delicadeza gramatical, golpes abaixo da cintura: Dossiês falsos, PCC em rebelião, MST convulsionando o país… Que a lei de Godwin me perdoe - mas assistiremos em versão tupiniquim, a Kristallnacht, A Noite dos Cristais que marcou em 1938 o trágico início do nazismo na Alemanha.E os judeus serão todos os democratas, os meios de comunicação não cooptados (verificar mais uma tentativa de cercear a liberdade de expressão no país: em texto aprovado pelo diretório nacional do PT, é proposto o controle público dos meios de comunicação e mecanismos de sanção à imprensa). Tudo isso para a perpetuação no poder de um partido que traiu um discurso de ética e moralidade ao longo de mais de 25 anos e, gradativamente, impõe ao país um assustador viés autoritário.


Não se surpreendam: Há todo um lobby nacional e internacional visando a manutenção de Lula no poder.Prêmios, como por exemplo, o Chatham House, em Londres, que contou com patrocínios de estatais como Petrobras, BNDS e Banco do Brasil, sem, até agora, uma explicação convincente por parte dos patrocinadores; matérias em revistas estrangeiras, enaltecendo o mantenedor da estabilidade na América Latina.


Ou seja: a montagem virtual de um grande estadista…Na verdade, Lula, é o übermensch dos especuladores que lucram como nunca na história deste país.Sendo assim, quem, em perfeito juízo, pode supor que este ególatra passará, democraticamente, a faixa presidencial para, por exemplo, José Serra , ou mesmo Aécio Neves?Pelo que já vimos de inaugurações de obras que sequer foram iniciadas, de desrespeito às leis eleitorais, do boicote às CPIs, como o da Petrobras, do MST e tantos outros deslizes, temos o suficiente para imaginar o que será a disputa eleitoral em 2010.


E tem mais, o PT está comprando com o nosso dinheiro, Políticos, Intelectuais, juizes, Militares, o povo humilde com bolsa esmola e formando milicias com o MST, PCC, Sindicatos, ONGS, Traficantes e outros, que recebem milhões e milhões de reais, para apoiar o PT e as falcatruas do Governo lula.Não podemos nem pensar em colocar como Presidente do Brasil, uma mulher Terrorista, que passou a vida assaltando bancos, matando pessoas inocentes, arrombando casas, roubando e matando as pessoas. Só uma pessoa internada num manicomio, seria capaz de votar numa BANDIDA para presidente de um País.



Confiram.

Carlos Vereza

Ator

domingo, 25 de abril de 2010

A Cabeça do eleitor - 01/04/2010



01/04/2010


A cabeça do eleitor



Aproveito a marola eleitoral levantada pela última pesquisa Datafolha, na qual o tucano José Serra abre nove pontos de vantagem contra o que parecia ser o rolo compressor da candidatura Dilma Rousseff, para cumprir a promessa feita aqui há sete semanas, quando afirmei que escreveria uma coluna na qual sondaríamos o âmago do eleitorado.


Como eu já havia antecipado no texto "Políticos em cana", o cidadão escolhe seus candidatos muito mais com o fígado do que com a cabeça. Experimentos realizados nos EUA mostraram que, com base em rápidos questionários sobre como uma pessoa se sente em relação a certos temas (quase um teste de personalidade), é possível prever com 80% de precisão como ela responderá a perguntas que envolvam fatos bastante específicos, incluindo o voto.


Numa simplificação grosseira, cada um de nós provavelmente já "definiu" em quem vai votar em outubro próximo, ainda que talvez não saiba disso. A crer no modelo que está sendo desenvolvido por neurocientistas, a escolha é, na maioria dos casos, feita com base nas emoções positivas ou negativas que cada um dos postulantes e seus partidos (e eventualmente também suas ideias) despertam em nós. É só "a posteriori" que providenciamos uma argumentação racional para justificar a decisão.


Dois livros lançados nos EUA traçam um panorama bastante amplo da questão. O mais antigo deles é "The Political Brain" (o cérebro político), de 2007, de Drew Westen, hoje na Universidade Emory, no qual o autor dedica 500 páginas a recapitular experimentos que esmiúçam o comportamento previsivelmente irracional do eleitorado e a mostrar as estratégias que costuma dar certo em campanhas --pelo menos nas norte-americanas.


No outro, "The Political Mind" (a mente política), de 2008, o linguista e cientista cognitivo George Lakoff usa 300 páginas para explicar por que os cérebros de conservadores e progressistas funcionam de forma diferente (e inconciliável). Sempre polêmico e grandiloquente, Lakoff, hoje na Universidade da Califórnia em Berkeley, aproveita o livro para advogar pela fundação de um 'novo iluminismo', no qual a razão deixaria de ser idealizada como uma máquina de calcular objetiva e desapaixonada e passaria a ser considerada como o que de fato é: um processo bem menos razoável, no qual 98% das "decisões" ocorrem inconscientemente e sob influência de emoções que nem sequer desconfiamos possuir.


Perpetrei uma pequena matéria (disponível para assinantes do UOL e da Folha) comentando ambas as obras que foi publicada no último dia 22 na edição impressa da Folha de S.Paulo.


Tanto para Westen como para Lakoff, o cérebro político pensa em termos de "frames" (enquadramentos) e metáforas. E a capacidade dos neurônios de se conectar em redes que podem ser ativadas por contiguidade semântica faz com que as palavras escolhidas tenham o dom de comunicar sentimentos. Uma palavra de fortes conotações negativas como "terror" invariavelmente nos desperta sensações desagradáveis as quais, mesmo que não nos demos conta, influenciam nossas decisões. É o que os psicólogos cognitivos chamam de "priming". Uma tentativa bastante canhestra de usar isso em campanha eleitoral no Brasil ocorreu no célebre caso em que a atriz Regina Duarte foi à TV para dizer que tinha "medo" de Lula. Não colou.



Especialmente para Lakoff, metáforas são muito mais que um recurso linguístico para explicar ideias. Elas são a própria matéria-prima do pensamento e têm existência física no cérebro. Pares de ideias frequentemente disparadas juntas acabam se consolidando numa rede neuronal que se torna mais forte à medida em que vai sendo mais utilizada.



Sempre que uma conexão é ativada, ela inibe o acionamento de redes alternativas que possam existir. Uma implicação interessante é que o viés do militante em favor de seu partido não é necessariamente mau-caratismo. Ele de fato percebe o mundo de forma menos objetiva. (Na verdade, há experimentos sugestivos de que o eleitor ativa seu centro de recompensa sempre que deixa de "perceber" um fato desfavorável a seu candidato, num mecanismo de reforço não muito diferente do de viciados em drogas).



Assim, sem nos dar conta, à medida que o político e seu marqueteiro vão nos fazendo pensar dentro dos "frames" por eles escolhidos, estão de algum modo sequestrando nossos sentimentos em favor de sua causa. Daí decorre que os embates políticos não se resolvem tanto no plano das propostas e ideias, mas principalmente das narrativas --que são basicamente metáforas com um conteúdo moral-- que partidos e postulantes escolhem para contar suas histórias e transmitir seus valores. Idealmente, devem constituir uma história fácil de contar e de recontar e que fale diretamente ao cérebro emocional do eleitor.



Um exercício divertido é tentar aplicar esse esquema ao atual quadro brasileiro e tentar avaliar quem dispõe dos melhores elementos para compor uma narrativa. A de Lula é obviamente imbatível: o filho de "analfabetos" que veio num pau de arara do Nordeste para São Paulo, onde comeu o pão que o diabo amassou, acabou, após quatro tentativas, sendo eleito presidente e uma vez lá, sem esquecer os pobres, "deu um jeito" no Brasil.



O único problema é que Lula não é candidato. O PT vem de Dilma e o fato de ela ter Lula a seu lado é uma tremenda de uma vantagem, mas não garantia de sucesso. A narrativa de Lula é pessoal demais para ser "emprestada" a terceiros e não se confunde com a do PT. Pelo contrário. Embora o PT fosse até 2005 o único dos grandes partidos políticos brasileiros com uma narrativa digna desse nome, a legenda foi severamente ferida no escândalo do mensalão. Forçado ao discurso do "todos faziam", o PT, que se inventara como partido da ética, já não pode nem cobrar seus adversários por malfeitorias.



Quanto à própria Dilma, ela até que começa bem, podendo vender a história de que combateu ativamente a ditadura militar. O problema é que nos anos que se seguiram ela foi apenas uma tecnocrata, posição difícil de "vender", por mais competente que ela tenha sido. A imagem de Lula é poderosa, mas ninguém sabe qual nível de milagre é capaz de operar.


José Serra, embora tenha uma biografia repleta de cargos eletivos a apresentar, parece refugar em fazê-lo. Posso estar viajando, mas minha sensação é a de que ele tem tanto medo de perder eleitores que reluta em assumir uma narrativa. Tem pavor de aparecer ao lado de FHC, vergonha de pertencer ao PSDB, partido que também não encontra um discurso. Para Westen, uma boa narrativa precisa necessariamente enfurecer uns 30% do eleitorado, que é a parcela da população que jamais concordaria com as ideias do candidato e nunca votaria nele.


Em termos pessoais, Marina Silva tem potencialmente uma excelente narrativa para trabalhar. Bem parecida com a de Lula, aliás: a garota pobre que foi ela própria analfabeta até os 15 anos, mas estudou (aqui ela supera o presidente), converteu-se à causa planetária, tornou-se senadora, ministra, rompeu com o PT e agora disputa a Presidência para "salvar" o Brasil e o mundo.



A boa história, entretanto, esbarra na falta de estrutura do PV (partido que está mais para um PMDB com verniz ambiental do que para o Grüne Partei alemão) e num certo oportunismo eleitoral que, se é compreensível para quem corre como terceira força, faz com que soem falsas algumas das recentes opções da senadora. Penso especificamente em seu flerte com a economia de mercado.



Paremos por aqui com essas livres especulações e voltemos a assuntos sérios. Na verdade, um assunto até um pouco sombrio. Se esse modelo neurocientífico do voto, que está recebendo cada vez mais atenção da academia nos EUA, é exato e o voto não é o resultado de cuidadosa e ponderada análise racional por parte do eleitor, a democracia representativa ainda faz sentido?
Em outras palavras, num quadro em que as decisões dos eleitores são principalmente fruto de uma combinação de propaganda subliminar com estímulos consolidados ao longo dos primeiros anos de vida, faz sentido determinar o destino da nação através do voto?


A resposta é afirmativa tanto para Westen como para Lakoff. Antes de mais nada, nem todo mundo é um militante radical e nem todas as questões debatidas são politicamente explosivas. Um número significativo de pessoas não é tão veemente em suas convicções políticas e adota visões de mundo ora conservadoras, ora progressistas dependendo do assunto. É em geral esse contingente que acaba definindo o resultado de eleições. Não deixa de ser uma virtude da democracia que os destinos de um país sejam definidos pelos 20% mais "moderados".



Outro ponto é que, embora seja difícil contornar conexões neuronais já consolidadas, não é impossível. Discursos que ofereçam "frames" alternativos e explicitem os processos mentais em operação podem levar o eleitor a mudar de ideia, constituindo uma forma legítima de persuasão política.



Apesar de as democracias modernas terem sido concebidas por filósofos iluministas que as moldaram segundo uma concepção de razão que hoje sabemos ser inexata, o fato é que há mais de 200 anos elas vêm se mostrando um sistema bastante funcional, capaz na maioria das vezes de autocorrigir-se. Por essa visão, teria razão Winston Churchill, para quem a democracia, apesar de inúmeras falhas, é o menos pior dos sistemas políticos que experimentamos até aqui.



Embora eu não discorde das conclusões, permito-me atirar um grão de sal nos pressupostos que levaram até elas. O fato de a razão iluminista como apresentada pelos filósofos do século 18 não estar no comando de nossas mentes não significa que ela não exista, assim como o fato de não pautarmos todas as nossas decisões pela lógica não significa que a lógica não exista.



O que torna a razão interessante é o fato de que todo ser humano que não tenha um déficit neurológico é em maior ou menor grau sensível a ela. Atender a seus apelos pode ser um processo difícil, que fracassa em 80% dos casos, mas, ainda assim, é a única linguagem comum a toda a humanidade.


Hélio Schwartsman, 44 anos, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

sábado, 24 de abril de 2010

Conto: Lost - Minha lua de mel

CAFÉ DOS PROFESSORES

APRESENTA 'Gump' em:

"LOST – Minha lua de mel"


Eu casei no dia do meu aniversário de 23 anos. No dia 23 de janeiro.

É raro um sujeito casar com 23 anos sem a mocinha estar grávida e ele sendo ameaçado pela família dela.

Mas aconteceu comigo e com a primeira dama. Nós casamos por amor. E deu certo. Estamos juntos há 8 anos.

Meu casamento foi de dia. Ao meio dia, para ser exato. Lá em Três Rios, que só não é mais quente que Itaperuna. E foi em pleno verão. Um calor do caramba.

Depois da festa de casamento, voltamos para o Rio e fomos direto para o aeroporto. Meus pais iam viajar pra Recife e me pediram pra levar o carro pra casa.
Engraçado isso. Eu que caso e meus pais é que viajam.

Dia do casamento é muito cansativo, né? Quando eu pergunto para as pessoas se elas adivinham o que eu fiz logo depois que acabou a festa de casamento, elas sempre me olham com um sorriso sacana.

Eu fiz mudança.

Sim, isso mesmo. Eu e a primeira dama viemos para Niterói para pegar – de carro – um monte de tralha que ainda estava no apartamento dos meus pais e no da mãe dela para levarmos lá pra nossa casa. Eram dezenas de caixas com livros, espadas, caveiras e monstros. Uma bagulhada do caramba.

Era tanto bagulho que na hora de descarregar o carro eu acabei esquecendo uma caixa de coisas na garagem.

No dia seguinte, ao sair na portaria o porteiro, seu Sebastião, me chamou num canto. Todo ressabiado.

- Oi, o senhor é que é o novo morador lá de cima, né?

- É. Sou sim…

-O senhor fez mudança ontem, não foi?

- Eu trouxe umas coisas…

- Sabe o que é? Ontem quem estava na portaria era o seu Messias. Ele é crente duma igreja dessas aí do “tá amarrado”, sabe como é?

-Sei sim. – Eu já fazendo cara e “e daí?”

- Então, ele veio me dizer que mudou um pai de santo aqui pro prédio. Ele pensou até em pedir demissão.

- Pai de santo? Eu??

- É… Acontece que ele foi fazer a ronda da meia noite na garagem e achou esta caixa aqui, ó. – Disse apontando a caixa que eu descobri naquela hora que não estava no meu escritório. E continuou:

- Aí ele abriu pra ver o que tinha dentro, pra ver se descobria de quem era e quase morreu do coração. Dentro da caixa tinha uma caveira rindo pra ele com aquela boca cheia de dentes e umas espadas. Ele chegou à conclusão que o senhor é pai de santo e que baixa o Exu Caveira!

-…

- E ele tá se benzendo todo desde então. Tá com um medo que se pela todo de encontrar o senhor.

Eu tive que explicar tintim por tintim ao seu Sebastião e depois repetir tudo novamente ao seu Messias que eu trabalhava com efeitos especiais. Que a caveira era de espuma e as espadas eram cenográficas. Custou para o seu Messias a falar comigo normalmente. Ele ficava sempre com um certo medo…
Mas o lance é que no dia do casamento mesmo, na hora do “enfim sós”, estávamos tão cansados que não rolou absolutamente nada. Morgamos feito jumento na sobra da igreja.
No dia seguinte, fomos definir para onde iríamos com a pouca graninha que deu pra juntar pra lua de mel. A primeira dúvida era entre montanha ou praia. Resolvemos que iríamos para um lugar de praia. Escolhemos viajar para Itacuruçá, no litoral do Rio de Janeiro, perto de Angra dos Reis.
Eu nessa época nem dirigia direito para pegar estrada assim, e a tia da Nívea deu carona pra nós até a cidade. Ficamos num belo hotel, comemos em bons restaurantes e no dia seguinte iríamos fazer o clássico “passeio de escuna” nas ilhas da costa verde. Eu desci logo de manhã para “tratar o passeio”. Entenda “tratar” como morrer na maior grana. Quando eu vi o preço que era o passeio, quase morri. Era caríssimo. Verão é alta temporada e tava tudo lotado de gringo, pagando os tubos para passear numa escuna. Eu tinha pouco dinheiro e triste, percebi que não daria pra pagar simutâneamente o hotel e o passeio de escuna para os turistas.

Fiquei deprê. Não sabia como ia contar pra primeira dama este fato. Voltei cabisbaixo para o hotel. No caminho, passando pelo cais, eu vi que tinha uma traineira pequena, dessas de pescador, onde sentado na murada, havia um gordão que tomava uma garrafa de pinga no gargalo. Perguntar não ofende, e então eu cheguei pra ele e perguntei se ele não poderia me levar para dar um passeio nas ilhas em troca de um dindim. Ele prontamente topou. Combinamos o preço. Tratamos em vinte reais. (Se não me falha a memória)

Voltei todo feliz para o hotel e busquei a primeira dama. Expliquei pra ela que esse lance de escuna com turistas não tem graça nenhuma. É uma cabeçada enorme. Que como estávamos em lua de mel, o melhor era uma coisa mais intimista, só nós dois e tal. E que pra isso eu havia acertado tudo com um pescador que nos levaria para um inesquecível passeio pelas ilhas. A Nívea caiu nesse meu conto do vigário. Pegou umas garrafinhas de água, viseira, óculos escuros, canga e um pacote de biscoito. Essas merdas quase ritualísticas que toda mulher tem que pegar para ir a qualquer praia.

Quando nós chegamos no barco, o sujeito estava emborcado. Dormindo no chão da traineira. Eu acordei ele e a Nívea fez uma cara de: “Xíííí…”

O cara levantou e ligou o motor. Saímos em meio ao mar. Era o início de nossa aventura de lua de mel. O cara me perguntou se era lua de mel. Acenei com a cabeça que sim. Ele fez aquele sorriso de “hoje vai ter sacanagem!”

Andamos de barco por um tempão que parecia não acabar nunca. Avistamos a ilha no horizonte. Era uma ilhazinha pequena. O cara falou que poderia nos deixar naquela ilha, que era normal os barcos deixarem os turistas lá. E que poderia marcar uma hora para nos buscar. Eu olhei pra Nívea. Ela estava meio bolada, mas vendo que a ilha estava com várias pessoas, vários barcos e lanchas parados em volta, topamos. Eu marquei com o cara que nos buscasse às cinco horas da tarde. Ele chegou o mais perto que deu da costa e nós pulamos na água e nadamos até a praia. Ficamos na ilha por um tempo e vimos que lentamente, as pessoas iam para os barcos e partiam. Foram saindo em grupos e quando nos demos conta, não tinha mais ninguém na praia com a gente. Ótimo, afinal era o que eu queria. Quem nunca teve aquela clássica fantasia sexual estilo “Lagoa azul”?

Ficamos numa boa ali na praia por um bom tempo, até que a fome começou a apertar.

- Amor, vamos pro restaurante?

- Vamos.

Começamos a andar pela ilha em busca do “restaurante”. Afinal, era uma ilha de turistas. E toda ilha de turistas que se preze tem que ter um bom restaurante, né?

Não tinha.

Demos a volta na ilha procurando a porra do restaurante e nada.

LOST.

Não havia nada mesmo! Nem uma porra duma alma viva naquela ilha além de nós dois. Nem restaurante nem casa. Nem nada. Nem ninguém. O sol de verão começou a apertar, junto com a fome. E eu comecei a ter um certo sexto sentido de que havia inequivocamente, me ferrado mais uma vez.

Olhei a hora. Uma e meia da tarde. O sol a pino. Começou a queimar tanto que procuramos algum lugar para nos abrigar do sol escaldante. Acredite, não tinha nem uma porra duma sombrazinha. A única sombra que achamos era a de um coqueiro. Mas sempre que ficávamos ali saíam do meio do mato uns formigões pretos e começavam a nos morder. O perrengue começou a aumentar quando o pacote de biscoito, nossa única comida, acabou. A fome era negra (sabe como é… lua de mel) e devido ao exercício de nadar bastante, eu estava faminto. A água acabou rapidinho também. Pensamos em entrar no mato para nos abrigar do sol.

Para nossa infelicidade não estávamos num seriado milionário gravado no Havaí. Era no Brasil e a ilha tropical era um Matão impenetrável. Eu acho graça quando vejo em “Lost” neguinho correndo despinguelado na selva. Umas arvores aqui, um matinho acolá… Grama… No mundo real, meu, é um matão intransponível.

Sem ter uma pexeira para abrir picada, você simplesmente não entra. A hora ia passando e eu comecei a me lembrar de detalhes peculiares, como o cara mamando uma 51 no gargalo. Ele dormindo no chão do barco… Eu não quis falar nada pra Nívea sobre a garrafa de 51, porque ela ia entrar em pânico mais do que já estava.

Cheguei à conclusão óbvia que eu não deveria ter pagado o pescador adiantado. Naquela altura ele devia ter tomado mais umas duas garrafas de pinga e morreu. Eu estava totalmente desesperado de fome, e resolvi procurar alguma coisa pra comer. Entrei no meio das pedras e vi que haviam várias ostras grudadas nelas. Com uma pedra, quebrei as conchas e comecei a comer aquelas ostras. Parece um catarrinho. Mas nem é muito ruim. O problema é que tava quente e assim é bem pior que com gelinho e limão. A Nivea morreu de nojo. Só parei de comer ostra quando me toquei que aquilo iria me dar uma diarréia tão absurda que poderia me virar do avesso.

Foi passando a hora, passando a hora. O sol começou a diminuir a sua força. Deu cinco horas e nada. O sujeito não aparecia. Eu comecei a pensar que ele estava emborcado com três garrafas de 51 e quem sabe com uma puta gorda e feia.

Caí na real que vendo ser uma “lua de mel” o sujeito resolveu por sua própria conta nos colocar numa ilha deserta.

A costa verde tem 365 ilhas. Dá uma ilha para cada dia do ano. Isso significa que se ele resolveu nos levar para uma ilha deserta, as chances de sermos resgatados é mínima. Sobretudo por se tratar de um bebum, que vai beber e esquecer a gente na ilha. Some-se a isso o fato de que eu paguei adiantado. Me senti muito burro.

Eu só pensava no meu canivetinho suísso do “Mc Guyver” que eu larguei em casa…

Eu comecei a pensar como que iríamos fazer para passar a noite numa ilha deserta. Sem fogo, lanterna, nem faca nem água, e o que é pior, roupas direito. Eu tava de sunga. A maré poderia subir. As plantas eram cheias de espinhos e galhos pontiagudos. A mata era impenetrável. As rochas afiadas como facas. E a ilha devia ter animais… Me lembrei daquele documentário do Discovery Channel : “ As temíveis víboras das ilhas”

Engraçado como no momento de desespero você lembra de coisas assim…

Eu tentava disfarçar, parecer o galã num filme de Sessão da Tarde, mas o fato é que eu era uma coisinha magra, um pela - saco de sunga esquecido numa ilha deserta. O Robson Crusoé de Niterói e sua esposa.

Quando avistei o barquinho daquele bebum filho da puta no horizonte, ele estava atrasado duas horas. Nossa, me senti tão aliviado que quase chorei. Foi um dos momentos mais felizes da minha lua de mel.

Autor: GUMP!
MUNDO GUMP.

Redes Sociais - Caminhos da revolução digital

Caminhos da revolução digital

Apesar de dominante, o capitalismo não consegue mais sustentar a lógica de acumulação e trabalho. Seus principais alicerces — a economia, a ética burocrática e a cultura de massas — estão em crise. Com a internet florescem, em rede, novas formas de produzir riquezas, diálogos e relações sociais

Hernani Dimantas, Dalton Martins
(26/11/2007)
Aprendemos que as redes são orgânicas. Aprendemos também que as redes são emergentes. Emergência é um processo de auto-organização. "A única diferença é o material de que são feitas: células de enxames, calçadas, zeros e uns". Isso não importa. Relevante é observar a tendência do pensamento de baixo para cima, bottom up, modificando a forma da humanidade pensar. Continuamente, ouvimos falar das experiências de organização de comunidades de seres vivos, da capacidade de construção de redes descentralizadas das formigas, dos cupins, das abelhas. Seriam reflexos da capacidade orgânica da colaboração?

Mutação, transformação e modificação são palavras que uso bastante no cotidiano digital. A internet trouxe a idéia de revolução, e traz consigo críticas inequívocas de como a sociedade moderna está estruturada. Romper paradigmas significa destruir os preconceitos nos quais estamos inseridos. E muitos desses preconceitos estão diretamente ligados à forma como nos organizamos e conversamos. Mesmo de forma sutil, sem exatamente compreendermos porque agimos de determinada maneira.

Se debatemos tal desconstrução da sociedade de massa, podemos admitir as mudanças e passar a agir de acordo com essa nova possibilidade. E existe uma tendência de utilizarmos cada vez mais os meios binários — seja para comprar e vender, ou para distribuir informação. Comercial ou não. E essa tendência acompanha a forma de organização dos grupos sociais e sua capacidade de conversarem de múltiplas maneiras.

Nessa corrida maluca, percebemos que os mercados também se transformam. O Manifesto Cluetrain é claro. Propõe o fim dos negócios como conhecemos. Por quê? Os mercados são conversações. E essa conversação faz as pessoas se aproximarem, não só para trocar informações cotidianas, muitas vezes descartáveis. Mas para uma auto-organização da sociedade civil. As conversações seriam a democratização do processo organizacional coletivo?

Linux, o primeiro produto moderno e competitivo criado de modo não-capitalista

Essa é a proposta do movimento dos códigos livres. Uma organização colaborativa, anárquica e disforme. Poderosa pela essência que une as pessoas num projeto comum. A rede faz tal movimento aflorar. O Linux foi o primeiro produto moderno e competitivo criado num modo de produção não capitalista. Entender isso é compreender que as mudanças atingem o meio digital. E devem repercutir construtivamente para outros setores.

Mas o mundo dos negócios é avesso a críticas. Idéias sustentadas em fatos reais são mostradas como se fossem apenas utopia. Lunáticos que não entendem o dinamismo do dinheiro. Pois o vil metal move o mundo. No entanto, qual foi o investimento inicial no Linux? Nada!

E esse nada está apavorando o grande monopólio. É difícil combater a organização de pessoas comuns. Estamos vendo o Linux e outros programas abertos aumentando a participação nos mercados. Essa realidade é inexorável. Uma realidade que modifica a essência da forma como conversamos, como estamos buscando nos organizar. A mudança é estrutural, topológica, elementar e, absolutamente, transformadora.

Colaboração é a novidade da sociedade da informação. Linus Torvalds causou um alvoroço enorme ao liberar o código de seu programa numa lista de debates. A frase Release early and release often (Libere cedo e libere freqüentemente) passou a redesenhar um modelo de produção. Colaboração como capital social. Colaboração para fazer qualquer coisa que o desejo provoque. Colaboração como condição de sobrevivência. Colaboração como viés estrutural no desenvolvimento das novas organizações, veia latente dos processos de inovação tecnológica, canal de viabilização da interação entre fornecedores, clientes e comunidades de usuários dos múltiplos produtos hoje oferecidos pela internet.

Por meio das redes sociais, novas geografias de poder, nas quais o link subverte a hierarquia

Com as tecnologias da comunicação e da interação, as redes passam a facilitar a convivência à distância em tempo real. Provocam e potencializam a conversação. Reconduzem a comunicação para uma lógica de sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições de forma descentralizada e participativa. Reorientam fluxos criativos e abrem novas possibilidades de circulação da riqueza.


O capitalismo, apesar de dominante, não consegue mais sustentar a lógica da acumulação e do trabalho. Seus principais alicerces, a economia, o paradigma da ética burocrática e a cultura de massas, estão em crise. Essa aponta a necessidade de uma nova ordem, uma reestruturação. Marx escreveu sua crítica em O Capital, num momento que a sociedade industrial estava aflorando, mas não se apresentava, ainda, como o paradigma dominante. O século 21 exige, portanto, modificações estruturais no poder para atender a nascente sociedade informacional. É nesse cenário que as redes sociais adquirem importância, pois em seu elemento constitutivo trazem uma nova possibilidade organizacional, logo, estrutural dos fluxos de conversação e da forma como o poder é exercido a partir dos relacionamentos entre pessoas.


A tecnologia catalisa a inteligência das pessoas. A revolução das tecnologias da informação atua remodelando as bases materiais da sociedade e induzindo a emergência de agenciamentos colaborativos como base de sustentação social. Não podemos atribuir tais mudanças apenas à tecnologia. A internet torna possível o florescimento de novos movimentos sociais e culturais em rede. Possibilita organizar a sociedade civil em novas formas de gestão e retornar às redes humanas depois de um longo período de domínio das redes de máquinas e da burocracia. No limite da ruptura dos paradigmas, a colaboração aparece como um potencializador das energias produtivas. A sociedade está se tornando mais aberta e de uma forma ampla, mais colaborativa.
O software livre é o caso mais conhecido da resistência digital — e o que teve maior impacto.


Uma nova dinâmica, que demonstra a produção de conhecimento livre como alternativa economicamente viável e sustentável. O código aberto está trazendo para a inovação o que a linha de montagem trouxe para a produção em massa. Estamos caminhando para uma era em que a colaboração substituirá a corporação. Uma opção pela descentralização do poder catalisado pelas conversações de uma sociedade em rede.


Ao invés de telespectadores, pessoas que desejam protagonizar suas existências e colaborar


As pessoas não querem mais ser telespectadores. Elas têm a possibilidade de interagir com as comunidades na internet e, assim, protagonizar as próprias existências. Buscando na comunidade digital os interesses comuns. Uma alternativa para o crescimento colaborativo.


Entra a internet. E por incrível que possa parecer, essa ferramenta fez um estrago nas idiossincrasias dos poderosos. A internet é maquínica. Pois recria um poder nômade no âmago. Um poder que se recria a cada instante. Catalisados pelos nós das redes. Uma reviravolta acontece nos dogmas ocidentais. Onde se lia transcendência, agora se enxerga e vive a imanência
Nesse sentido, estamos num processo de progressão jamais visto. Pois qualquer pessoa tem a possibilidade de publicar na rede, seja em forma de email, artigos, blogs, músicas ou imagem. A internet é um meio multimídia que dá às pessoas inúmeras formas de expressão. A cultura cibernética não é nada mais do que uma compilação de tal diversidade. Está em curso um processo silencioso, uma revolução que não será televisionada, que provocará mudanças profundas na sociedade.

Este mundo da injustiça globalizada










José Saramago

Texto lido na cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.


Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei afinados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou.

Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias.

Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo.

Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença.

E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em conseqüência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto.

De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos.

Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira.

Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...
Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.
Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

18/03/2002
Ciberfil Literatura Digital
Março de 2002
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O Primeiro Café dos Professores sem Professores!

Documentário "Pare, Escute, Olhe" de Jorge Pelicano

Teaser "Pare, Escute, Olhe" Amanhecer from Pare, Escute, Olhe on Vimeo.


Café dos Professores
divulgando hoje "Pare, Escute, Olhe"
Segundo documentário de Jorge Pelicano, que afirma que o cinema documental é uma forma de intervir. Neste Pare, Escute, Olhe são mostradas imagens de há dezesseis anos, quando durante a noite foram retiradas as composições que serviam a linha do Tua, alegadamente para que fossem realizadas obras de melhoramento. Ao fim de dezesseis anos, as composições não voltaram, deixando hoje uma imagem de resignação que o realizador assume não ter esperado encontrar. Trata-se portanto de um filme que retrata a forma como o interior vive o despovoamento, com uma população cada vez mais envelhecida e cada vez mais sem capacidade para resistir.
O filme foi premiado na última edição do Doc Lisboa, Festival de Cinema Documental. Assista ao vídeo aqui.