sábado, 24 de abril de 2010

Conto: Lost - Minha lua de mel

CAFÉ DOS PROFESSORES

APRESENTA 'Gump' em:

"LOST – Minha lua de mel"


Eu casei no dia do meu aniversário de 23 anos. No dia 23 de janeiro.

É raro um sujeito casar com 23 anos sem a mocinha estar grávida e ele sendo ameaçado pela família dela.

Mas aconteceu comigo e com a primeira dama. Nós casamos por amor. E deu certo. Estamos juntos há 8 anos.

Meu casamento foi de dia. Ao meio dia, para ser exato. Lá em Três Rios, que só não é mais quente que Itaperuna. E foi em pleno verão. Um calor do caramba.

Depois da festa de casamento, voltamos para o Rio e fomos direto para o aeroporto. Meus pais iam viajar pra Recife e me pediram pra levar o carro pra casa.
Engraçado isso. Eu que caso e meus pais é que viajam.

Dia do casamento é muito cansativo, né? Quando eu pergunto para as pessoas se elas adivinham o que eu fiz logo depois que acabou a festa de casamento, elas sempre me olham com um sorriso sacana.

Eu fiz mudança.

Sim, isso mesmo. Eu e a primeira dama viemos para Niterói para pegar – de carro – um monte de tralha que ainda estava no apartamento dos meus pais e no da mãe dela para levarmos lá pra nossa casa. Eram dezenas de caixas com livros, espadas, caveiras e monstros. Uma bagulhada do caramba.

Era tanto bagulho que na hora de descarregar o carro eu acabei esquecendo uma caixa de coisas na garagem.

No dia seguinte, ao sair na portaria o porteiro, seu Sebastião, me chamou num canto. Todo ressabiado.

- Oi, o senhor é que é o novo morador lá de cima, né?

- É. Sou sim…

-O senhor fez mudança ontem, não foi?

- Eu trouxe umas coisas…

- Sabe o que é? Ontem quem estava na portaria era o seu Messias. Ele é crente duma igreja dessas aí do “tá amarrado”, sabe como é?

-Sei sim. – Eu já fazendo cara e “e daí?”

- Então, ele veio me dizer que mudou um pai de santo aqui pro prédio. Ele pensou até em pedir demissão.

- Pai de santo? Eu??

- É… Acontece que ele foi fazer a ronda da meia noite na garagem e achou esta caixa aqui, ó. – Disse apontando a caixa que eu descobri naquela hora que não estava no meu escritório. E continuou:

- Aí ele abriu pra ver o que tinha dentro, pra ver se descobria de quem era e quase morreu do coração. Dentro da caixa tinha uma caveira rindo pra ele com aquela boca cheia de dentes e umas espadas. Ele chegou à conclusão que o senhor é pai de santo e que baixa o Exu Caveira!

-…

- E ele tá se benzendo todo desde então. Tá com um medo que se pela todo de encontrar o senhor.

Eu tive que explicar tintim por tintim ao seu Sebastião e depois repetir tudo novamente ao seu Messias que eu trabalhava com efeitos especiais. Que a caveira era de espuma e as espadas eram cenográficas. Custou para o seu Messias a falar comigo normalmente. Ele ficava sempre com um certo medo…
Mas o lance é que no dia do casamento mesmo, na hora do “enfim sós”, estávamos tão cansados que não rolou absolutamente nada. Morgamos feito jumento na sobra da igreja.
No dia seguinte, fomos definir para onde iríamos com a pouca graninha que deu pra juntar pra lua de mel. A primeira dúvida era entre montanha ou praia. Resolvemos que iríamos para um lugar de praia. Escolhemos viajar para Itacuruçá, no litoral do Rio de Janeiro, perto de Angra dos Reis.
Eu nessa época nem dirigia direito para pegar estrada assim, e a tia da Nívea deu carona pra nós até a cidade. Ficamos num belo hotel, comemos em bons restaurantes e no dia seguinte iríamos fazer o clássico “passeio de escuna” nas ilhas da costa verde. Eu desci logo de manhã para “tratar o passeio”. Entenda “tratar” como morrer na maior grana. Quando eu vi o preço que era o passeio, quase morri. Era caríssimo. Verão é alta temporada e tava tudo lotado de gringo, pagando os tubos para passear numa escuna. Eu tinha pouco dinheiro e triste, percebi que não daria pra pagar simutâneamente o hotel e o passeio de escuna para os turistas.

Fiquei deprê. Não sabia como ia contar pra primeira dama este fato. Voltei cabisbaixo para o hotel. No caminho, passando pelo cais, eu vi que tinha uma traineira pequena, dessas de pescador, onde sentado na murada, havia um gordão que tomava uma garrafa de pinga no gargalo. Perguntar não ofende, e então eu cheguei pra ele e perguntei se ele não poderia me levar para dar um passeio nas ilhas em troca de um dindim. Ele prontamente topou. Combinamos o preço. Tratamos em vinte reais. (Se não me falha a memória)

Voltei todo feliz para o hotel e busquei a primeira dama. Expliquei pra ela que esse lance de escuna com turistas não tem graça nenhuma. É uma cabeçada enorme. Que como estávamos em lua de mel, o melhor era uma coisa mais intimista, só nós dois e tal. E que pra isso eu havia acertado tudo com um pescador que nos levaria para um inesquecível passeio pelas ilhas. A Nívea caiu nesse meu conto do vigário. Pegou umas garrafinhas de água, viseira, óculos escuros, canga e um pacote de biscoito. Essas merdas quase ritualísticas que toda mulher tem que pegar para ir a qualquer praia.

Quando nós chegamos no barco, o sujeito estava emborcado. Dormindo no chão da traineira. Eu acordei ele e a Nívea fez uma cara de: “Xíííí…”

O cara levantou e ligou o motor. Saímos em meio ao mar. Era o início de nossa aventura de lua de mel. O cara me perguntou se era lua de mel. Acenei com a cabeça que sim. Ele fez aquele sorriso de “hoje vai ter sacanagem!”

Andamos de barco por um tempão que parecia não acabar nunca. Avistamos a ilha no horizonte. Era uma ilhazinha pequena. O cara falou que poderia nos deixar naquela ilha, que era normal os barcos deixarem os turistas lá. E que poderia marcar uma hora para nos buscar. Eu olhei pra Nívea. Ela estava meio bolada, mas vendo que a ilha estava com várias pessoas, vários barcos e lanchas parados em volta, topamos. Eu marquei com o cara que nos buscasse às cinco horas da tarde. Ele chegou o mais perto que deu da costa e nós pulamos na água e nadamos até a praia. Ficamos na ilha por um tempo e vimos que lentamente, as pessoas iam para os barcos e partiam. Foram saindo em grupos e quando nos demos conta, não tinha mais ninguém na praia com a gente. Ótimo, afinal era o que eu queria. Quem nunca teve aquela clássica fantasia sexual estilo “Lagoa azul”?

Ficamos numa boa ali na praia por um bom tempo, até que a fome começou a apertar.

- Amor, vamos pro restaurante?

- Vamos.

Começamos a andar pela ilha em busca do “restaurante”. Afinal, era uma ilha de turistas. E toda ilha de turistas que se preze tem que ter um bom restaurante, né?

Não tinha.

Demos a volta na ilha procurando a porra do restaurante e nada.

LOST.

Não havia nada mesmo! Nem uma porra duma alma viva naquela ilha além de nós dois. Nem restaurante nem casa. Nem nada. Nem ninguém. O sol de verão começou a apertar, junto com a fome. E eu comecei a ter um certo sexto sentido de que havia inequivocamente, me ferrado mais uma vez.

Olhei a hora. Uma e meia da tarde. O sol a pino. Começou a queimar tanto que procuramos algum lugar para nos abrigar do sol escaldante. Acredite, não tinha nem uma porra duma sombrazinha. A única sombra que achamos era a de um coqueiro. Mas sempre que ficávamos ali saíam do meio do mato uns formigões pretos e começavam a nos morder. O perrengue começou a aumentar quando o pacote de biscoito, nossa única comida, acabou. A fome era negra (sabe como é… lua de mel) e devido ao exercício de nadar bastante, eu estava faminto. A água acabou rapidinho também. Pensamos em entrar no mato para nos abrigar do sol.

Para nossa infelicidade não estávamos num seriado milionário gravado no Havaí. Era no Brasil e a ilha tropical era um Matão impenetrável. Eu acho graça quando vejo em “Lost” neguinho correndo despinguelado na selva. Umas arvores aqui, um matinho acolá… Grama… No mundo real, meu, é um matão intransponível.

Sem ter uma pexeira para abrir picada, você simplesmente não entra. A hora ia passando e eu comecei a me lembrar de detalhes peculiares, como o cara mamando uma 51 no gargalo. Ele dormindo no chão do barco… Eu não quis falar nada pra Nívea sobre a garrafa de 51, porque ela ia entrar em pânico mais do que já estava.

Cheguei à conclusão óbvia que eu não deveria ter pagado o pescador adiantado. Naquela altura ele devia ter tomado mais umas duas garrafas de pinga e morreu. Eu estava totalmente desesperado de fome, e resolvi procurar alguma coisa pra comer. Entrei no meio das pedras e vi que haviam várias ostras grudadas nelas. Com uma pedra, quebrei as conchas e comecei a comer aquelas ostras. Parece um catarrinho. Mas nem é muito ruim. O problema é que tava quente e assim é bem pior que com gelinho e limão. A Nivea morreu de nojo. Só parei de comer ostra quando me toquei que aquilo iria me dar uma diarréia tão absurda que poderia me virar do avesso.

Foi passando a hora, passando a hora. O sol começou a diminuir a sua força. Deu cinco horas e nada. O sujeito não aparecia. Eu comecei a pensar que ele estava emborcado com três garrafas de 51 e quem sabe com uma puta gorda e feia.

Caí na real que vendo ser uma “lua de mel” o sujeito resolveu por sua própria conta nos colocar numa ilha deserta.

A costa verde tem 365 ilhas. Dá uma ilha para cada dia do ano. Isso significa que se ele resolveu nos levar para uma ilha deserta, as chances de sermos resgatados é mínima. Sobretudo por se tratar de um bebum, que vai beber e esquecer a gente na ilha. Some-se a isso o fato de que eu paguei adiantado. Me senti muito burro.

Eu só pensava no meu canivetinho suísso do “Mc Guyver” que eu larguei em casa…

Eu comecei a pensar como que iríamos fazer para passar a noite numa ilha deserta. Sem fogo, lanterna, nem faca nem água, e o que é pior, roupas direito. Eu tava de sunga. A maré poderia subir. As plantas eram cheias de espinhos e galhos pontiagudos. A mata era impenetrável. As rochas afiadas como facas. E a ilha devia ter animais… Me lembrei daquele documentário do Discovery Channel : “ As temíveis víboras das ilhas”

Engraçado como no momento de desespero você lembra de coisas assim…

Eu tentava disfarçar, parecer o galã num filme de Sessão da Tarde, mas o fato é que eu era uma coisinha magra, um pela - saco de sunga esquecido numa ilha deserta. O Robson Crusoé de Niterói e sua esposa.

Quando avistei o barquinho daquele bebum filho da puta no horizonte, ele estava atrasado duas horas. Nossa, me senti tão aliviado que quase chorei. Foi um dos momentos mais felizes da minha lua de mel.

Autor: GUMP!
MUNDO GUMP.

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